GT Ética e Política na Filosofia do Renascimento
Encontro Virtual 17 e 18 de dezembro de 2020
RESUMOS
Os dois principais pontos de transição da compreensão de Maquiavel sobre o povo
João Gabriel da Silva Pinto Filho (UFMG)
Amparados pela constatação de que a reflexão política maquiaveliana apresenta momentos distintos relacionados diretamente com a vida do autor, o objetivo de nossa comunicação será verificar como se dá a transformação da concepção de Maquiavel sobre a figura do povo nos dois pontos de transição existentes entre as três fases em que podem ser divididos seus escritos. Para tanto, realizaremos metodologicamente o cotejamento entre a análise detida de dois textos, La lettera a uma gentildonna (1512) e o Discursus florentinarum rerum post mortem iunioris Laurentii Medices (1521), e trechos de escritos anteriores e posteriores. Defenderemos a tese que estes textos se configuram como os dois principais pontos de transição da compreensão de Maquiavel sobre o povo por apresentarem elementos remanescentes dos momentos antecedentes concomitantes a novidades dos momentos subsequentes.
Os conceitos de populo e grandi pensados a partir da sociedade florentina do final do século XIII
Fabiana de Jesus Benetti (UNIOESTE)
No pensamento político de Maquiavel, os conceitos de grandes (grandi) e povo (populo) tiveram notoriedade na teoria sobre o conflito político, elaborada pelo florentino e apresentada em suas três obras maiores: O Príncipe, os Discursos e a História de Florença. Grandi e populo são ali apresentados como as partes que compõe toda a cidade e que se caracterizam por desejos antagônicos: enquanto os grandi desejam dominar, o populo deseja não ser dominado. Para melhor compreender o que caracteriza cada um destes atores políticos, pensamos ser importante compreender a dinâmica de suas lutas ao longo da história, tendo isto em vista, a nossa proposta é a de voltar o olhar para a sociedade florentina do final do século XIII com o intuito de identificar quem ali é dito grandi e quem é dito populo e no que consiste a relação entre eles.
A formação cívica do cidadão em Maquiavel
João Aparecido Gonçalves Pereira (UFG)
No grupo dos diversos pensadores da filosofia política que abordaram a formação cívica do cidadão podemos também inserir Nicolau Maquiavel. Apesar dele não ter tratado deste assunto de forma direta e/ou sistemática, ele formulou algumas ideias que são muito relevantes para pensar a possibilidade e a necessidade de formar os indivíduos para a cidadania e a convivência entre eles. Isto é, a maneira como secretário florentino abordou a educação, as boas leis, os bons costumes, a religião e a natureza humana, nos permite perceber que ele construiu uma boa base teórica para pensar o quanto é necessário e como é possível formar os homens civicamente para
a vida junto aos outros. Dessa forma essa comunicação visa discorrer sobre os elementos teóricos que existem no pensamento do florentino que ensejam pensar numa formação cívica do cidadão partindo da educação, das boas leis, dos bons costumes e da religião. O desenvolvimento de tal reflexão, é balizado pelas seguintes questões: Por quê para Maquiavel é necessário, e, possível formar os homens civicamente? Como esta formação cívica acontece?
A presença do Direito em Belfagor
Jaqueline Fátima Roman (IFPR)
Pode-se afirmar que a presença de elementos relacionados ao direito e à linguagem jurídica em Belfagor se dá em vários momentos da obra. Trata-se de uma fábula pouco extensa em volume de páginas, mas repleta de elementos jurídicos. A presença do direito fica evidente desde o início, pela própria narrativa adotada por Maquiavel que utiliza a estrutura jurídica processual para apresentar sua obra. Somente pela breve transcrição do enredo é possível perceber uma relação entre os personagens muito parecida com a relação jurídica que se dá em um processo, com uma parte que acusa; outra que sofre a acusação; e outra que julga. Essa estrutura processual é muito facilmente percebida em Belfagor, tendo em vista que de um lado estão os homens mandados para o inferno, que são ao mesmo tempo condenados – não se sabe por quem, visto que Maquiavel não detalha essa parte da fábula – e acusadores. De outro lado, como acusadas, as mulheres. A tese com a qual os homens acusam é a de que depois que se casaram, suas mulheres os fizeram cometer atos que os levaram para o inferno. Quem julgará tais fatos? Os juízes – que são demônios. Estabelecidos os elementos da relação jurídica processual, evidenciam-se as partes processuais (acusadores, acusadas e juízes) e a tese acusatória utilizada. Os processos judiciais são fundamentados em relações muito similares, que na maioria das vezes, envolvem acusação, defesa, condenação, recurso e a busca pela justiça. Todas essas expressões estão presentes no vocabulário aplicado na referida obra, por Maquiavel. Por toda a fábula há elementos jurídicos. As expressões “condenando”, “acusem” “injustos” e “justiça”, utilizadas por Plutão – o maior juiz de todos os juízes – são todas encontradas no vocabulário jurídico. Além disso, o demônio Plutão é também um juiz exemplar, pois tenta ser imparcial e democrático, consultando seus pares, a bem de um julgamento justo, prudente e voltado para a busca verdade. Todas essas características são desejadas na composição do universo dos juízes. Assim, visando abordar, demonstrar e refletir sobre essas e outras questões relacionadas à presença e a linguagem do direito em Belfagor, se dará a comunicação.
Maquiavel, ciclos de governo e redução aos princípios
Luís Falcão (UFF)
A comunicação investiga o tema da fundação contínua, ou redução aos princípios, no pensamento político de Maquiavel. A fundação contínua é um ato coletivo ou individual que restabelece, mantem a conexão, entre um determinado momento da vida política da cidade e aquele de sua fundação propriamente. A função da redução aos princípios, através dessa conexão, é a de manter a cidade livre a partir do mecanismo de rememoração das causas que deram sentido à ação criadora das instituições, crenças e práticas fundamentais da república. A aparente constância das ordens fundamentais da república pode levar a uma interpretação de um “eterno retorno”, caracteristicamente medieval, ou à sustentação infinita dos ciclos polibianos de governo. Maquiavel, porém, é explícito quanto aos limites temporários dos ciclos. Uma vez que não são
parte da natureza, encontram necessariamente sua finitude quando da ruína final da cidade. Diante desse cenário teórico, argumenta-se que a fundação contínua não é um esforço de eternizar os ciclos polibianos, mas, ao contrário, o de expandir o ciclo tanto quanto possível. Rememorar as causas da fundação é diluir na memória coletiva os sentidos da liberdade e, com isso, manter a premência do povo como agente estabilizador da república, do mesmo modo que ocorre na transformação de cada forma de governo em outra quando do giro dos ciclos. Por fim, conclui-se que a redução aos princípios se liga à fundação de tal modo que se possa pensar em um continuum das causas da liberdade do início ao fim da história da cidade.
O lugar da imagem nos Ensaios
Ana Carolina Mondini (UFPR)
Antes da separação entre imaginação e intelecto, que foi bem demarcada, em especial, na época moderna, Montaigne parece oferecer um lugar à imagem mais compatível com a realidade humana. Ao considerar um sujeito não fragmentado, cujas operações espirituais operam em constante relação, inclusive em relação aos movimentos corpóreos, o filósofo deixa sugerido que a própria imaginação opera em cooperação com o intelecto. A reflexão sobre a imagem, no seio da filosofia montaigneana, faz-nos compreender, no entanto, que, mesmo que a imaginação atue com intelecto, é possível, posteriormente, atribuir determinada autonomia às imagens e, por conseguinte, a compreensão sobre os existentes planos de significação imagéticos no seio dos Ensaios.
Fortuna em dose dupla: no De Libero Arbitrio de Valla e nos Ensaios de Montaigne Ana Letícia Adami e Maria Cristina Theobaldo (UFMT)
O projeto “Contingencia, necesidad y libertad humana en la historia de la filosofía: rupturas y continuidades desde la Antigüedad clásica hasta la Modernidad temprana”, coordenado por Natalia Jackubeki e Natalia Strok, ambas da Universidade de Buenos Aires (UBA), e com a colaboração do Grupo de Pesquisa Questões do Renascimento (UFMT), visa reunir pensadores da tradição filosófica em torno da tópica da Fortuna. O projeto tem no seu arco de abrangência, de um lado, autores pouco ou menos conhecidos dos pesquisadores atuais (os ditos “autores pequeños”), mas cujas obras e atuação tiveram grande impacto em sua época. Nesse grupo estão nomes como os de Simone Porzio (1496-1554) e de Gerolamo Cardano (1501-1576). E de outro, alguns de consagrada relevância na história da filosofia. A presente comunicação é dedicada a dois filósofos desse último grupo: Valla e Montaigne. Ainda que o nome de Lorenzo Valla seja bastante conhecido pela Declamação contra a falsa Doação de Constantino, que lhe rendeu o epíteto de “pai da história moderna”, permanecem na obscuridade muitas de suas obras filosóficas que nos ajudariam a entender mais e melhor o desenrolar de muitas ideias correntes em sua época e depois. Exemplo disso é o opúsculo de Valla De Libero Arbitrio (1439), no qual nos interessa a relação entre a vontade humana e a presciência divina. Quanto a Montaigne, procuramos discutir a relação entre virtude e fortuna e a influência, supõe-se, que tal relação recebe do epicurismo. O caminho investigativo é conduzido pela hipótese de que a força da virtude reside na deliberação que põe em operação o cálculo dos desejos e a aliança entre corpo e alma, fazendo, assim, prevalecer uma autojurisdição interna, condição indispensável para dirimir e manobrar o poder da fortuna.
Da inconstância das nossas ações (II,1)
André Scoralick (USP)
Uma das consequências mais importantes da crítica cética é a perda do fundamento metafísico da moralidade – a ideia de Supremo Bem, fim último das ações humanas, horizonte regulador e parâmetro de orientação das condutas. No antigo estoicismo, era justamente esta ideia que orientava, coordenava e uniformizava as intenções do sábio, tornando-as constantes. Também era ela que permitia ao filósofo deduzir as leis de conduta que orientariam as ações do homem médio. Uma vez perdido esse télos, a vontade do agente perde seu rumo, sua direção: restam apenas impulsos despertados por representações que surgem diante de circunstâncias (ou a partir de estados de alma) contingentes – numa palavra, a inconstância. A partir deste quadro, a tarefa do moralista se complica: as ações que ele pretende julgar não podem mais ser referidas umas às outras (não se agrupam por relação de semelhança, nem se explicam por relação de causalidade), mas tem de ser julgadas isoladamente, caso a caso; os caracteres revelam-se complexos, variados, mutáveis; o discurso que pretenda representá-los deve acompanhar a inconstância de seu objeto; e deve representá-lo “por dentro”, pois é preciso julgar suas intenções, não suas ações. Enfim, é todo o projeto da pintura de si, eixo dos Ensaios, que emerge da crítica montaigniana da constantia estóica; mais do que isso, nela se assenta a própria gênese da forma ensaio e um novo programa para a filosofia moral vindoura.
O comércio com Licurgo e Platão
Maria Célia Veiga França (UFMG)
Os ensaios americanos de Montaigne fazem algumas referências explícitas ao comércio, sobretudo nos Coches, onde ele pergunta: “quem jamais estabeleceu tal preço para o serviço do comércio e do tráfico? Tantas cidades arrasadas, tantas nações exterminadas, tantos milhões de pessoas passadas a fio de espada, e a mais rica e bela parte do mundo convulsionada para a negociação de pérolas e de pimenta: mesquinhas vitórias! Jamais a ambição, jamais as inimizades públicas impeliram os homens uns contra os outros em hostilidades tão horríveis e calamidades tão miseráveis” (III, 6, p.188). Esta menção claramente negativa ao comércio, que temos em mente de forma mais imediata, corresponde ao estilo de crítica mais direta e feroz característico do capítulo dos Coches, que acompanha não somente um período mais violento da conquista, como a divulgação, em solo europeu, de informações mais precisas sobre as atrocidades perpetradas em solo americano.
Apesar de formular uma crítica menos frontal à entrada dos europeus em solo americano, o capítulo dos Canibais não deixa de fazer censuras pontuais a elementos da cultura europeia trazidos pela conquista. Um desses elementos é justamente o comércio, que surge no texto de forma aparentemente passageira, através de uma caracterização dos tupinambás que Montaigne desejaria fazer à Platão, para lhe informar que esse “é um povo no qual não há a menor espécie de comércio” (I, 31, p. 309). Tal referência poderia até ser interpretada como uma pintura negativa, por algum leitor que se deixasse guiar pela tradição renascentista das viagens que define a barbárie indígena pela ausência dos elementos mais básicos da civilização europeia – tais como o comércio, as letras, a religião etc.
Ora, a passagem que menciona a ausência de comércio entre os tupinambás não nos parece ser a única alusão ao comércio, nem a única crítica feita a ele. Poucas linhas acima desse trecho encontramos uma referência à Licurgo e à Platão que, à princípio, parece não ter grande
relação com nosso tema: “Desgosta-me que Licurgo e Platão não o tenham tido [o conhecimento desses povos], pois me parece que o que na prática vemos naqueles povos sobrepuja não apenas todas as descrições com que a poesia embelezou a idade de ouro, e todas as suas invenções para imaginar uma condição humana feliz, mas ainda a concepção e o próprio desejo da filosofia” (I, 31, p. 308).
Se recuperarmos a reflexão proposta no capítulo VII do Método da História de Bodin, veremos que a menção a esses dois autores por Montaigne certamente não é gratuita. No texto em questão, Bodin não somente cita Licurgo e Platão também no contexto da conquista americana, mas defende o comércio com as terras recém atracadas – indo contra os dois autores gregos que, segundo ele, defendiam de preferência um isolamento de suas sociedades. Parece-nos pertinente ver no texto de Montaigne não somente uma discussão com Bodin, relativa à questão do comércio, mas ainda uma oposição quanto à relação ao desenvolvimento do comércio com o Novo Mundo. Se quiséssemos ser mais ousados, poderíamos inclusive pensar a presença desses dois autores gregos nos Canibais como um argumento anticolonialista, uma vez que a legalidade do comércio com o continente americano (pensada, entre outros, pelo espanhol Vitoria) funciona como uma chave jurídica que abre a possibilidade para a conquista.
O tema clássico do Útil e do Honesto em Michel de Montaigne
Sérgio Xavier (UNIFESP)
No primeiro capítulo do terceiro volume de seus Ensaios, Montaigne toma para si o problema antigo do conflito entre o Útil e o Honesto, abordando à sua própria maneira uma tópica que remonta ao menos à reflexão sobre a Justiça nos primeiros livros da República de Platão e que tem sua formulação mais célebre e influente em Dos Deveres de Cícero. Deste modo, o ensaísta procura posicionar-se em relação a algumas das correntes mais expressivas que dão o tom dos debates políticos de seu tempo, do antimaquiavelismo e do neoestoicismo, equacionando de certo modo, o valor que lhe é mais caro, da integridade e liberdade individuais com uma determinada proposição de conduta pública e política.
A educação no tempo de Gournay
Cinelli Tardioli Mesquita (UFMG)
O presente trabalho visa divulgar parte de nossa pesquisa de doutorado. Nossa tese geral é mostrar como Marie de Gournay (1565-1645) defendeu que as teorias sobre a inferioridade da natureza feminina em relação à masculina são frutos da ignorância de seu tempo. Para ela, defender uma hierarquia da natureza humana dividida entre feminina e masculina era ignorar o papel crucial da educação (um fenômeno social e não natural) no processo de diferenciação dos sexos. A fim de fundamentar nossa tese geral e conferir a validade dos argumentos de Gournay, começamos por fazer uma pesquisa sobre a educação nos séculos dezesseis e dezessete. Portanto, o presente trabalho versará sobre estes primeiros passos da pesquisa; ou seja, uma abordagem mais geral sobre a educação no tempo de Gournay.
O lugar da imagem nos Ensaios
Ana Carolina Mondini (UFPR)
Antes da separação entre imaginação e intelecto, que foi bem demarcada, em especial, na época moderna, Montaigne parece oferecer um lugar à imagem mais compatível com a realidade humana. Ao considerar um sujeito não fragmentado, cujas operações espirituais operam em constante relação, inclusive em relação aos movimentos corpóreos, o filósofo deixa sugerido que a própria imaginação opera em cooperação com o intelecto. A reflexão sobre a imagem, no seio da filosofia montaigneana, faz-nos compreender, no entanto, que, mesmo que a imaginação atue com intelecto, é possível, posteriormente, atribuir determinada autonomia às imagens e, por conseguinte, a compreensão sobre os existentes planos de significação imagéticos no seio dos Ensaios. Palavras-chave: Montaigne. Imagem. Intelecto.